quarta-feira, 14 de junho de 2017

Birras - como lidamos com elas?

Cá em casa, vive uma menina de dois anos e meio, na chamada fase dos terrible two, que embora (e felizmente!) não esteja a ser assim tão terrível, de vez em quando, ainda dá azo ao irromper de uma birra qualquer.
 
Em conversa com uma amiga, que tem um filho da mesma idade, ela queixava-se exatamente desta questão, das birras, e de como lidar com elas. Tal levou-me a refletir acerca da forma como o faço ou, pelo menos, procuro fazer.



 
No caso da minha filha, e provavelmente acontecerá com as outras crianças, as birras surgem porque foi contrariada e quer afirmar a sua posição. Associado a isto vem o facto de ser assolada por um sentimento intenso, de desconforto, com o qual não sabe ainda lidar.
Quantas vezes nós adultos não temos reações mais efusivas, que não diferem assim tanto de uma birra (e já cá andamos há tanto tempo!)?
A verdade é que a maioria de nós foi educado no sentido de reprimir a birra, em lugar de entender o que a despoletou... "Ou paras com essa birra imediatamente ou levas uma palmada e aí choras com razão!" lembra-vos alguma coisa?
Se, em lugar de exigirmos às crianças que escondam os seus sentimentos, lhes ensinarmos acerca do que estão a sentir, julgo que aprenderão mais facilmente a autocontrolar-se em situações adversas, tornando-se mais capazes emocionalmente.
Então, creio que a base de tudo é entendermos o que se está a passar interiormente com a criança.

Contudo, percebo que este ver pelos olhos do outro nem sempre é assim tão claro, pois a grande maioria de nós vive numa grande aceleração e com pouca disponibilidade para tal.
A birra porque não se quer calçar surge quando temos cinco minutos para sair de casa se não queremos apanhar trânsito e chegar tarde ao trabalho. A birra porque não quer sentar-se na cadeira de proteção do carro aparece no dia em que já estamos atrasados para um jantar de família. A birra porque não quer arrumar os brinquedos manifesta-se quando já devia estar a dormir há meia hora, temos a casa de pernas para o ar e pela frente uma série de tarefas domésticas inadiáveis.
Contudo, se nos disponibilizamos a tentar entender os seus motivos, percebemos que só não se quer calçar porque aquelas sandálias lhe magoam os pés, não se quer sentar na cadeira porque acha que já é capaz de subir autonomamente para a mesma e quer confirmá-lo, não quer arrumar os brinquedos porque lhe apetece continuar a brincar...
Ou seja, com alguma frequência, as birras surgem porque não temos tempo (e paciência) para escutar as suas motivações e tentamos impor as nossas.

Então, penso que, em primeiro lugar, devemos perguntar à criança porque é que está a reagir daquela maneira. Nem sempre resulta, porque às vezes também ela não o sabe. Mas se o conseguir transmitir, seja de que forma for, pode ser o suficiente para que possamos ceder ou encontrar uma solução que agrade às duas partes, e deste modo a birra nem chega quase a ter lugar.
Pensando nas ideias referidas em cima, podemos (devemos!) calçar-lhe outra coisa, podemos deixá-la tentar subir sozinha para a cadeira ou combinar que o fará no dia seguinte quando estivermos com menos pressa, podemos transformar a arrumação dos brinquedos numa brincadeira, contando quem arruma mais peças (e na verdade, nesse dia, arrumar quase tudo, sem no entanto permitir que se exclua totalmente dessa tarefa)...

Quando não conseguimos evitar a birra e esta já assumiu proporções menos controláveis, devemos antes de mais tentar manter a calma...
Se a criança está mesmo muito enervada, antes de qualquer diálogo, um abraço ou um colinho podem ser mágicos! Ou então afastarmo-nos por um momento, deixando-a sozinha por alguns instantes para se acalmar, e regressando logo de seguida para conversar. Tal depende obviamente da situação e da criança.
Mas o que acredito ser crucial é, como já referi anteriormente, a nossa solidariedade para com o que ela está a sentir. É sermos capazes de lhe dizer que se sente triste, zangada, frustrada, amedrontada, preocupada, enganada, ansiosa... e que não faz mal sentir-se assim, que também nós nos sentimos assim às vezes... Ou seja, é importante dar nomes aos sentimentos e aceitá-los.
O que não é aceite é que a criança reaja a esses sentimentos com determinado tipo de comportamento, como gritar, atirar coisas para o chão, bater ou espernear, e é isso que, num momento seguinte, lhe deve ser explicado, bem como o motivo pelo qual as coisas não puderam ser como desejava.

Por fim, acho que é essencial a coerência. Se a regra é que não come bolachas antes do jantar, não é porque faz birra que lhas vamos dar... Se não vai para o parque sem chapéu na cabeça, não é porque estamos sem paciência para contra-argumentar que devemos ceder... Se antes de sair de casa é importante que faça xixi no penico para não haver descuidos na rua, tal deve ser tornado numa rotina de modo a evitar teimas...


Como referi logo no início, isto é o que procuro fazer com a minha filha. É claro que já tive situações em que não consegui lê-la nem ouvi-la, em que me precipitei numa qualquer atitude que não foi a mais acertada, em que falei alto ou perdi a calma... Mas procuro estar muito consciente de tudo isto, desejando fazer melhor a cada dia que passa.

No outro dia, estava ela a ver uns desenhos animados, mas aproximava-se a hora da sesta. Avisei-a um pouco antes de que iria parar o filme, pois já sabia que tal não seria aceite de ânimo leve, mas, ainda assim, quando o fiz, começou a chorar.
Então, já no caminho para o quarto, disse-lhe:
"Estás triste e zangada, porque estavas a gostar muito dos desenhos animados e não querias parar de os ver. É normal... Eu também me sinto assim quando tenho de interromper uma coisa da qual estou a gostar muito..."
"Não...", respondeu-me ela.
"Não? Não o quê? Não estás triste e zangada?", insisti.
"Não. Estou só triste..."
Parou de chorar...
E eu aqui percebi que estamos no bom caminho... 💖


 

1 comentário:

  1. O teu blog é muito inspirador e eu nem sequer tenho filhos :)
    Comoveu-me bastante a história final deste post e achei fantástico uma criança de dois anos e meio saber distinguir com tanta certeza as suas emoções, "não estou zangada, estou só triste". Visto que isso é um problema real que assola muitos adultos: a dificuldade de percebermos com certeza o que sentimos e porque o sentimos. Claro que possuir um maior vocabulário permite-nos um entendimento mais rico sobre nós mesmos, mas não reprimir, aceitar e tentar compreender é igualmente importante.
    Achei muito bonita a forma como estás a fazer isso com a tua filha. Parabéns!

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